sexta-feira, setembro 14, 2007

A.A

Falar para um grupo de terapia é sempre constrangedor, já se esteve ali sentado a ouvir os outros, já se conhece o molde em que é feito, mas tudo o que se possa dizer parece agora pouco, o que nos levou lá parece insignificante perante as outras vidas.
Ele estava ali em pé parado, silencioso perante um grupo que o olhava ansioso, esperando a relativização dos seus próprios problemas. Se o seu mentor não o tivesse empurrado, nunca teria tido sequer a coragem de tentar.
Sabia que tinha de começar, só que na garganta estava um nó que lhe negava o verbo.Começou por balbuciar imperceptíveis palavras, entre gaguejos e entaramelares, a sua vida foi aparecendo lentamente. O olhar atento dos outros motivou-o a continuar. A sua vida era um caos, nascera debaixo de uma austera educação católica que o levara a tornar-se num menino da Igreja devoto e solidário, uma boa alma virtuosa, incapaz de pecar.
Vivia uma existência crente que lhe criara bloqueios, num mundo agressivo e violento que constantemente o atacava, e ele claro era compelido, pela sua conduta devota, a dar a outra face. O mundo não é piedoso com criaturas assim, e ele era sistematicamente pisado e agredido, de quando em quando a revolta acumulava-se e ele tentava reagir, procurava no seu interior ferido um insulto para proferir, e no fim acabava por, já em atraso, gritar a bom som um raivoso poças, que era o melhor que a sua alma católica permitia. Vivia assim, a levar sem nunca reagir à altura e a ser pisado por todos.
A sua vida sentimental não era melhor, homem de boa aparência, nunca conseguira fazer uma relação ir para a frente, o seu dogma era uma prisão para a sexualidade, e nenhuma relação resiste à ausência total da sexualidade, e o mais próximo que conseguira chegar com uma mulher sem o remorso do pecado fora um ligeiro toque de mão num joelho, enquanto dava um suave beijo sem língua. Mas não admirava, crescera na pureza imaculada, convencido que a masturbação conduzia à Cegueira.
E agora, em idade avançada, já não conseguia sequer encontrar o estimulo que leva ao pensamento pecaminoso. Foi nesse momento, e já sem aguentar mais que o seu mentor se ergueu, e perguntou que raio fazia ele ali? Depois de ser insultado e agredido por vários alcoólicos em recuperação, que pensavam que ele estava a fazer pouco deles, acabou por perceber que recorrera ao grupo de terapia errado, confundira, graças à sua dislexia aquele grupo de Alcoólicos Anónimos com um grupo de de terapia para Acólitos Anónimos.
Então já bastante esmurrado e humilhado, conseguiu ainda pedir perdão pelo seu erro, agradeceu humildemente o tempo que havia roubado aquele grupo e saiu. Cá fora naquela raiva incontida gritou pela primeira vez um conjunto de impropérios, “-Bolas, póçoilas e Caraças!”.
A terapia estava a fazer-lhe bem!
Sempre convosco,
Cabrão de Nafarros Mestre

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei! Simplesmente genial!!

Beijinhos